Ana Terra Santana's profile

Eu, mulher negra latino-americana

Durante muito tempo eu fui a mulher que comemora e vivência o 8 de março da forma mais feliz e política possível. Era (e ainda é um pouco), por exemplo, sobre ir a manifestações, respostar textos, discutir o dia e demonstrar carinho e gratidão às mulheres que me cercam. Eu cresci acreditando no feminismo disseminado pela mídia, e acessível à mim quando mais nova, sobre mulheres saírem pra trabalhar, sobre produzirem algo e ganharem dinheiro; o feminismo sobre liberdade sexual e pelos no suvaco; o feminismo muitas vezes protagonizado por mulheres brancas. E mesmo que ele tenha sido de fato importante para o meu amadurecimento, ele simplesmente deixou de fazer sentido para mim quando eu percebi, que enquanto mulher negra, muitos desses conceitos e lutas não cabiam em mim da mesma forma que para minhas amigas brancas.
Eu quero entrar no mercado de trabalho, fazer dinheiro e construir uma carreira. Mas eu também quero a oportunidade de criar meus filhos e participar da educação deles, quero ter uma família e viver as experiências caseiras. Eu quero a liberdade sexual, mas para mim, ela é mais sobre não ser sexualizada a todo momento e não sobre poder ter muitos parceiros, é inclusive sobre receber afeto e amor de um único homem. Eu sei, que enquanto mulher negra, minhas lutas e minhas ambições são diferentes das do feminismo branco, que eu não tenho que lutar apenas enquanto mulher para conseguir um emprego, porque mesmo que eu o consiga, meu salário corre o poderoso risco não apenas de ser menor que o dos homens, mas menor que o das outras mulheres não racializadas a minha volta. Existem muitas barreiras entre mim e o feminismo branco, minha raça me persegue e ela precisa ser levada a sério.
Eu me lembro de em 2017 conhecer o significado do 25 de julho, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. Foi em um anúncio do Facebook, sobre um avento no Museu Nacional em Brasília. Eu nunca tinha parado pra pensar que mulheres negras mereciam um dia só para elas, mas absolutamente tudo fez sentido quando eu descobri que esse dia já existia. Eu não fui no evento, mas passei a comemorar e relembrar esse dia, de forma muito interna, ao longo dos últimos dois anos.
O dia de hoje me contempla e me fortalece. Me faz feliz, porque eu sei que minha luta é junto de mulheres quilombolas, das mulheres da agricultura familiar e do MST, das empregadas domésticas, das ribeirinhas, quebradeiras de coco e artesãs. Eu quero estar, e estou, com essas mulheres revolucionárias, que carregam consigo a sabedoria e a força ancestral. Somos, por enquanto, minoria no congresso; mas figuras políticas importantes nas nossas comunidades. Sofremos com a perda de nossos pais, irmãos, companheiros e filhos pela violência do Estado; mas somos responsáveis por dar a vida e educar guerreiros pela liberdade. Nós fazemos arte e amor preto. Somos potência em cada olhar, fala e gesto. E somos as únicas capazes de transformar de forma revolucionária o mundo, pois como já dizia Angela Davis, “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.
Eu, mulher negra latino-americana
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