A Perda

Autor: John Lenon Soares

Hitomi Yamaguchi é uma jovem de 26 anos, ela tem uma filha de 3 anos chamada Elena Yamaguchi. As duas se mudaram para uma casa muito antiga, porém com o aluguel mais em conta que sua última moradia. Hitomi passava por momentos difíceis, além do emocional estar abalado, as contas estavam perto do vermelho. Os problemas começaram após a morte de seu marido, Taron Yamaguchi, que era cardíaco. Ele não aceitava Hitomi trabalhar fora, por ser o provedor da casa e alegar não faltar nada para as duas.
A poucos meses, a família Yamaguchi veio do Japão para o Brasil. Seguindo a tradição Iniciada pelo tataravô de Hitomi, Atsushi Yamaguchi, vindo em 18 de junho de 1908 no navio Kasato Maru, para trabalhar nas lavouras de café em São Paulo.
Devido às dificuldades financeiras, Hitomi foi procurar trabalho. Na primeira semana de procura, conseguiu emprego em uma escola próxima a sua casa. Por ser fluente em inglês, pegou algumas aulas como professora substituta.
Na casa atual sobraram alguns móveis dos antigos inquilinos. Armários, sofás, um berço, geladeira e uma cama. Móveis reformados e cedidos aos novos locatários por Alfredo, locador do imóvel, claro se fossem de serventia. Hitomi sem pensar duas vezes, aceitou os móveis, substituindo os antigos que trouxe de mudança, desgastados pelo tempo.
As primeiras semanas se passaram e tudo correu bem. Devido ao pouco dinheiro que Hitomi tinha guardado, para economizar, dia sim, dia não, levava Elena para escola e a deixava na biblioteca aos cuidados da bibliotecária Iara. Amiga que fez nos primeiros dias de trabalho, alternando com Ruth. Uma senhora simpática que gostava muito de Elena, trabalhava 3 vezes por semana como Babá da menina. Era sexta feira, ao chegar do trabalho, Hitomi viu Ruth no sofá apreensiva e assustada. sem se explicar, Ruth pediu as contas, pegou o último pagamento, olhou nos olhos de Hitomi e disse, cuide bem da menina, e foi embora. Para não sobrecarregar a amiga Iara, Hitomi arrumou uma creche para Elena ficar enquanto estava fora. De manhã, saindo para o trabalho, ao fechar a porta, Hitomi ouviu um barulho vindo do quarto, retornando, não notou nada de diferente e foi embora com Elena achando que era fruto de sua imaginação, talvez devido ao estresse causado pelos problemas enfrentados recentemente.
Na manhã seguinte, o mesmo barulho veio do quarto, se repetindo nos próximos dias. A situação já estava insustentável, pois os barulhos começaram a ficar mais intensos, seguidos por coisas arremessadas ao chão, e nada se via. Após o término do expediente, Hitomi pega Elena na creche, em casa a coloca para dormir, toma um banho e decide ligar para o locador do imóvel, para sanar algumas dúvidas.
— Boa noite S.r. Alfredo, Desculpe a pergunta, mas como era o antigo morador da casa, alguma coisa na casa o incomodava?
— Boa noite Sra. Hitomi, era inquilina, uma moça de 28 anos chamada Madeleine Budrock. Pagava o aluguel em dia, não falava muito, quase não saia de casa. Acho que pelo fato de cuidar do seu filho, o pequeno Brian. Só isso, pouco se sabia sobre ela.
Hitomi sentiu que o locador havia omitido informação, então o refutou.
— Deve ter algo mais, tem certeza que era só isso S.r. Alfredo?
O locador demorou um pouco para responder, então disse a gaguejar!
— Não, não é... na verdade a moça não saia de casa, devido seu filho sofrer frequentes crises de epilepsia. Ela tinha medo de acontecer algo com ele, sem poder estar por perto, a impossibilitando de trabalhar fora. Eles viviam com um benefício do governo, o pai de Brian não o assumiu sabendo das dificuldades que enfrentaria futuramente, indo embora abandonando ele e sua esposa. Em meio a todos os problemas, ela ainda não dormia direito, pois tinha que deixar o despertador 24h00 acionado, a cada 02h00 despertava para acordá-la caso dormisse demais. Por sofrer de um distúrbio neurológico chamado Narcolepsia.
— Mas em uma 6° feira à tarde, a moça caiu no sono, e não checou a bateria do despertador, descarregando em seguida. Devido ao sono de meses acumulado, ela dormiu profundamente até amanhecer. Ao acordar, desesperada foi até o berço e viu que seu filho já estava sem vida. O resultado da autópsia constatou morte súbita, ocorrida durante uma crise de epilepsia que Brian sofreu durante a noite. O levando a engasgar com sua própria saliva.
— A pobre moça vendo aquela cena triste, não parava de se culpar pela morte de seu filho. Aos prantos foi até a cozinha, abriu a porta do armário e pegou a maleta de primeiros socorros. lá continha um frasco lacrado de comprimidos de Flunitrazepam, que sem hesitar virou goela abaixo.
 O efeito foi catastrófico, ela só teve tempo de se arrastar até o berço, entrar e se abraçar a Brian. Vindo a óbito logo em seguida. Bem, assim disse a perícia.
Sei lá, acho que ela já previa que algo assim um dia poderia ocorrer. Por guardar esse tipo de antibiótico em casa, sabe?!
— Que tragédia. — Lamenta Hitomi.
— Aliás, achei estranho que no primeiro dia do mês ela não tenha pago o aluguel. Nunca deixou atrasar em 2 anos, depositava sempre adiantado. Também estranhei ela não ter me ligado para dar satisfação, então fui até a residência ver o que havia ocorrido. Chegando na porta já senti o mau cheiro, adentrando então, sem dúvida a cena mais triste que já presenciei nos meus 68 anos de idade! Após o ocorrido, as pessoas que visitavam a casa e ouviam a história da antiga inquilina, de imediato desistiram de locar o imóvel. Os meses se passaram e minhas finanças estavam quase no vermelho. E com as contas chegando, bate o desespero, pois dependo do aluguel para sobreviver! Assim resolvi omitir o caso dos próximos inquilinos. Desculpe não ter comentado antes, acho que pensei só no meu umbigo. — Hitomi releva a situação.
— Entendo, fique em paz Sr. Alfredo, talvez faria o mesmo na sua situação, boa noite. — Alfredo se despede.
— Obrigado por entender meu lado Sra., boa noite.
Alfredo guardou no bolso o celular sem finalizar a chamada. Ao descer os degraus da escada cabisbaixo, Palavras balbuciadas pelo velho ressoavam fundo na mente de Hitomi.
— Aquele berço, não devia ter reformado!
Ouvindo aquelas palavras, Hitomi sentiu um frio na espinha que a deixou  paralisada por alguns segundos. Tempo suficiente para ligar os acontecimentos recentes sem explicação, com as palavras vindas do locador. Saindo do transe, ela corre da sala em direção ao quarto, onde dorme Elena. Hitomi a vê em pé no berço, sorrindo e gesticulando, imediatamente agarra a filha. Só que Elena não se move. Assustada, Hitomi tenta puxar a filha novamente, sem êxito. Em seguida ouvi um gemido vindo de trás de Elena, Suplicando!
— DEIXE-AAA.
Assim, revelando a face de Madeleine Budrock. Que abraçava Elena com força, acariciando seus cabelos, com dedos compridos e finos, pele pálida e com parte das pernas para fora do pequeno berço.
Hitomi olha nos olhos rasos do Espírito, e súplica!
— Sinto muito pelo seu filho, você não teve culpa. Mas Elena não é sua filha, pelo amor que sente por Brian, deixe ela ir comigo, por favor.
Após ouvir as súplicas da mãe em prantos, Madeleine começa a sussurrar palavras desconexas.
— De novo não.
— Não quero ficar sozinha!
— Ela é minha!?
— A criança não tem culpa.
Por mais que Madeleine amasse Elena, sabia o amor de Hitomi pela filha. Então o coração de mãe falou mais forte, sentimento que não se esvai nem com a morte. Assim, Madeleine abre os braços retorcidos, libertando Elena.
— Obrigada, fique em Paz. — Diz Hitomi ao Espírito.
Em seguida, mãe e filha vão embora. Ao se distanciar, Elena no colo da mãe, estica o braço direito em direção a casa. Lacrimejando-se ouve os gritos desesperados do Espírito, cada vez mais se esvaindo entre os cômodos do casebre.
A Perda
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