Teve dois cachorros. Levava o primeiro – que se apagou há mais ou menos 20 anos, para andar nas mesmas ruas e praças que o atual. A diferença é que a cidade era outra. O velho açougue virou uma loja de celulares, o armazém virou café, a sapataria virou lotérica, a funerária virou Casas China. A maioria das árvores da pracinha foram riscadas e a pitangueira – que ficava carregadaça na primavera, se foi. Alguns moradores (e cães) também sumiram, juntos com os açougues, os armazéns, sapatarias e funerárias. Daqui a um tempo ele e seu cão atual também desaparecerão nas aguadas do tempo. E quiçá outro homem caminhará com seu mascote pelas mesmas ruas e praças, redesenhando o trajeto. Bem-aventurado é o cão, que por não saber da existência de seus antepassados, caminha suavemente, sentindo os aromas das frutas, o cheiro da vizinhança, o rastro de outros bichos. Para o cachorro não existem outros açougues, nem armazéns, nem sapatarias, nem lotéricas. Apenas a fragrância da tinta do presente, a traça-los com a nuança dos dias.