ACUMULONIMBUS
Eduardo Mariz usa a fotografia com a mesma liberdade com que constrói suas esculturas ou executa suas performances. Assim, desenvolve as técnicas artísticas às quais nomeia como foto-assemblage e acumulonimbus.
Em acumulonimbus, ainda que relevando o caráter bidimensional das imagens fotográficas, propõe leituras onde são assumidas as montagens como sobreposições de planos. Através de recortes e justaposições sugere os espaços suprimidos entre as camadas como campo fértil para subjetivações.
A ideia é que as imagens dessa linha de trabalho cativem os observadores de maneira abrupta, tal qual as intensas e rápidas tempestades provocadas pelas nuvens Cumulonimbus, de quem Eduardo empresta o nome para a derivação poética.
Acima: Vitórias de cabeça para baixo; 2020; fotomontagem; 138 x 120 cm

O termo acumulonimbus foi criado por Clarisse Tarran, artista visual e curadora independente de Brasília.
Queima; 2020; fotomontagem; 110 x 330 cm
Síndrome de Hipogrifo – ou Porquê Equinos e Aves Nunca se Deitam – da série Além do Horizonte de Eventos
A série Síndrome de Hipogrifo fala da observação de corpos em embates metafísicos, superando as convenções sobre massa, gravidade e horizonte nas leituras de imagens. Na astronomia, o termo Horizonte de Eventos se refere ao limite que circunda os buracos negros, a partir do qual nada (nem mesmo a luz) escapa da violenta atração magnética. Áreas onde as leis da física como as conhecemos não são aplicáveis. A partir da crença popular de que cavalos e éguas nunca se deitam criei o grupo de seis imagens compreendidos por Síndrome de Hipogrifo e que integra a série Além do Horizonte de Eventos. Nele procurei tecer poética que viesse a provocar um vislumbre através de uma crítica sutil sobre uma pretensa eficiência acerca das imposições da vontade do homem à natureza. A polaridade de algumas fotografias desse grupo foi invertida de maneira que o animal registrado sempre apareça de pé. Em momentos flutua num galope como uma nuvem. Assim percebemos díspares conceitos de verdade nessas fotografias. Só fotografamos aquilo que existe: a égua existe de fato. A égua não aparece deitada, ainda que observemos a falácia descarada das fotos invertidas. A égua voa.  A figura mitológica do híbrido animal Hipogrifo (misto de cavalo, ave e felino) poderia estar a nos dizer algo sobre aspectos que distintas espécies de animais possuem em comum. A ideia de que pássaros nunca se deitam, tal qual os equinos os colocariam como parentes? Poeticamente, contudo, semelhanças podem complementar limitações em imaginários híbridos, onde, por fim, verdades artísticas se estabelecem. Animais alados como Hipogrifo ou Pégaso voam.  São equinos e são pássaros. Aquilo que seus originários possuem em comum, se complementam no mito: como um homem poderia cavalgar numa águia?
Acima: SH nº 03; 2019; fotografia impressa; 110 x 165 cm (ou 40 x 60 cm).
SH nº 02; 2019; fotografia impressa; 165 x 110 cm (ou 60 x 40 cm) e SH nº 04; 2019; fotografia impressa; 110 x 165 cm (ou 40 x 60 cm)
Otólitos e murundus
Otólitos são concreções de carbonato de cálcio presentes dentro de câmaras, no aparelho vestibular do ouvido interno dos vertebrados. Têm a função orgânica de controlar o equilíbrio de seus corpos.
A intenção dessa série sugere montagens para as quais foram fotografadas e recortadas imagens desses otólitos, extraídas das cabeças de espécies de peixes. Esses recortes foram inseridos digitalmente sobre outras fotografias, usadas como quadros de fundo, uma série que tem como objeto retratado alguns cupinzeiros.
Também chamados de murundus, tidos por vezes como pragas, esses cupinzeiros são como sociedades que naturalmente se reorganizam, resistindo a constantes combates do homem ou a intempéries diversas.
Através das montagens as concreções se postam a pairar como que zelando pela presumível harmonia nas colônias dos insetos.
As ambiguidades entre os elementos são percebidas através dos embates propostos, entre aparentes dinâmicas do que é estático e superficial estaticidade do que é dinâmico. Sugere-se assim a formação de corpos dicotômicos, como que remetendo a figuras totêmicas.
Acima: Otólito nº 3; 2019; fotomontagem para ACUMULONIMBUS; 110 X 165cm (ou 40 x 60 cm).

Otólito nº 1 e Otólito nº 2; 2019; fotomontagem para ACUMULONIMBUS; 110 X 90 cm (cada)
Nascimento de Baalzebub
Aquilo que habita o entre, as festas, aquilo que é negado ou oculto. Talvez dali nasçam os demônios.
Baalzebub é o nome de um antigo deus filisteu adotado por algumas religiões abraâmicas como um grande demônio. 
Nas imagens dessa série os espelhamentos fotográficos elaborados por recursos digitais denunciam formações do que poderiam ser imagens idílicas, originariamente ocultas nas margens das fotografias. Se montam e são somente observáveis através de tal recurso. 
Acima: Nascimento de Baalzebub nº 4; 2020; fotomontagem espelho fácil para ACUMULONIMBIS; 140 X 120 cm.
O Colosso
El Coloso, pintura até 2008 atribuída a Francesco Goya, inspira a observarmos relações entre mundos que compartilham os mesmos espaços físicos. Assim como por questões de escala, humanos não enxergam micróbios com os quais convive, não enxergam também aquilo que não corresponde a pontos de afeição. A imagem do Século 19 me cativa provavelmente pela indiferença do gigante ante o apavoramento dos membros da caravana abaixo. A associo com o filme A Incrível História do Homem que Encolheu, de Jack Arnold, 1957. Na história, um homem sem nenhum motivo aparente inicia um processo de encolhimento. Em dado momento começou a ser prosseguido pelo seu próprio gato, que o via como uma presa. Mas ao continuar encolhendo, em etapas seguintes, o gato deixou de prossegui-lo pois por seu tamanho sequer era percebido, menos ainda como alimento, pelo felino. Por certo as ameaças são percebidas por ordens de escala, mas não determinadas por isso, como no caso dos vírus ou micróbios nocivos.
O primeiro trabalho da série O Colosso foi uma montagem em que por múltiplos rebatimentos de fotografias de barracos em favelas, surgiu uma figura que associei aos gigantescos heróis de séries japonesas que assisti na minha infância. Aproveitando essa imagem, fiz uma montagem seguinte, onde coloquei aos pés do gigante a fotografia da favela da Muzema, no Rio de Janeiro, que integra o conjunto de comunidades onde foram captadas as fotos dos barracos. Intuí um colosso como o de Rodes, antiga cidade grega, que teria construído uma estátua gigantesca do deus Hélios a resguardar a entrada do porto. Algumas versões contam que o monumento teria sido construído usando como material as armas dos inimigos derrotados, expulsos da cidade. Assim imaginei nesse meu gigante se insurgindo dos barracos, como uma marca da prevalência do que procura ser ocultado.  
Em desdobramento, criei a série O Colosso onde imagens de reflexos em um lago artificial num palácio europeu revelam gigantes, que nas montagens digitais propostas se postam como que observando favelas no Rio de Janeiro com todo o distanciamento poético possível.
Acima: O Colosso nº 1; 2018; fotomontagem para ACUMULONIMBUS; 100 x 60 cm.
O Colosso nº 2 – versão 1; 2018; fotomontagem para ACUMULONIMBUS; 95x 60 cm
O Colosso – o primeiro; 2018; fotomontagem para ACUMULONIMBUS; 160 x 110 cm
Autorretratos entre Asfódelos
Poderíamos traçar um paralelo com a ideia do que escapa no escuro do barroco... Do que é suposto ou misterioso...  Apontar caminhos que se desdobram por incertezas, pelo que se vela, foi artifício usado em arte desde então; sendo característica fundamental deste estilo, seu uso ad infinitum.
Isso que despontaria um arquétipo aplicável às tessituras, onde variantes conduzem a experimentos que se postam a construir novos sentidos sobre rumos, cada vez mais difusos nos tempos atuais. As fronteiras do desconhecido parecem se tornar mais amplas, nas vivências de um modelo onde quanto mais se conhece mais há para ser conhecido.
O título da série de que aqui tratamos remete a compreensões que fazem referência ao entendimento dos antigos gregos, para quem Campos de Asfódelos seria o lugar para onde vão as almas desencarnadas de pessoas irrelevantes na sociedade.
Em minha proposta não falo da morte física, ainda que use imagens que remetam a posturas de corpos embalsamados. A morte física é um instante na vida. Ao conduzi-la para uma situação fotográfica, procuro romper com sua temporalidade de instante, tornando-a persistente. Não apenas enquanto imagem, mas também enquanto modelo. Acima: Autorretrato entre Asfódelos nº 1 - tiro; 2018; fotomontagem para ACUMULONIMBUS; 77 x 110 cm.
Autorretrato entre Asfódelos nº 3 – a natureza doutrinada; 2018; fotomontagem para ACUMULONIMBUS; 121 x 60 cm
Otólitos como nuvens; foto-montagem; 2020; 80 x 120 cm
Seara; 2020; foto-montagem; 120 x 165 cm.
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